... finda a bonança, e chegada a tempestade que cercava, o que resta é abandonar as armas
e retomar a luta ...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

:::só me resta ficar nua:::

bailarina, feiticeira.
borboleta madrigal.
que com asas cria vento,
pisca, nasce furacão.
brota cedo,
voa longe.
pare e mata, virginal.
ganha o céu,
cai à terra.
 chove choro, temporal.
mar e pousa .
fada prosa,
leva, leve, seu quinhão.
rosa  d’alma cravejada .
fere os cravos, despedaça.
o remédio é só porção.
de tempo...
reza, luta.
falsa maga,
pó de espera,
encarna ação.
vela acesa,
beija sapo.
segue  coxo o coração.
fêmea, santa, benzedeira.
 nasce junto com aflição.
boa, louca, curandeira,
o veneno vem no peito,
sara bem e mal, diz são.
com o verbo inventa o canto.
re feitura, re feição.
cara nova a cada dia.
puxa a dança.
rasga a fala.
viva , queima na fogueira.
e só porque quer...

paula quinaud

homenagem de Luis Fabiano Teixeira a Clarice Lispector



Quero escrever o borrão vermelho de sangue

Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector
  

Há muita gente
Apagada pelo tempo
Nos papéis desta lembrança
Que tão pouco me ficou
Igrejas brancas
Luas claras na varandas
Jardins de sonho e cirandas
Foguetes claros no ar
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Clarice era morena
Como as manhãs são morenas
Era pequena no jeito
De não ser quase ninguém
Andou conosco caminhos
De frutas e passarinhos
Mas jamais quis se despir
Entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes
Do rio, do rio
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Tinha receio do frio
Medo de assombração
Um corpo que não mostrava
Feito de adivinhações
Os botões sempre fechados
Clarice tinha o recato
De convento e procissão
Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Soldado fez continência
O coronel reverência
O padre fez penitência
Três novenas e uma trezena
Mas Clarice
Era a inocência
Nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas
Fez-se modelo das lendas
Das lendas que nos contaram as avós
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Tem que um dia
Amanhecia e Clarice
Assistiu minha partida
Chorando pediu lembranças
E vendo o barco se afastar de Amaralina
Desesperadamente linda, soluçando e lentamente
E lentamente despiu o corpo moreno
E entre todos os presentes
Até que seu amor sumisse
Permaneceu no adeus chorando e nua
Para que a tivesse toda
Todo o tempo que existisse
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Clarice
Caetano Veloso
por Stegun
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