... finda a bonança, e chegada a tempestade que cercava, o que resta é abandonar as armas
e retomar a luta ...

sábado, 7 de maio de 2011

::: aos filhos das mães :::

Celebro as mães, mas me emocionam os filhos...
Choro, ao pensar todos os filhos contidos num só:
O cisco de gente que pela primeira vez se traz da maternidade num desajeito de não saber o quê, de perguntar cadê a bula.
Que enfim, existe...
A coisinha frágil que intui amparo e então amedronta em choro poderoso. E chora...
O bebê que começa a enxergar o mundo de frente, se equilibrando em duas pernas, e ri e chora e se arrisca. E cai...
A criança que começa a descobrir o mundo nos seus porquês, e adoece, e machuca, e se inquieta, e se alegra, e se emburra. E brinca...
O ser que se percebe voluntarioso e já não aceita carinhos e mimos e quer ser grande e joga bola e escreve diário e tem amor secreto e idealiza esse mundo dos grandes. E sonha...
O adolescente inconformado que tenta se impor, e busca turma, e curte um som, e argumenta, e justifica, e à flor da pele, e interroga, e se interroga. E sofre...
O jovem que busca um caminho e acerta e erra e namora e viaja e engaja e ama e é visceral e agita e pulsa. E vive...
O adulto que traça o rumo, ou às vezes não, e tem carreira e tem amor e tem um filho...
E entende tudo!
E ama...
E segue o ciclo...
Preciosos os filhos.
Como preciosos são os que em qualquer desses pontos, encruzilhadas perdem-se ou são perdidos.
A quem não tem filhos, os tenha!
Seja saído de um ventre ou gerado de uma bela adoção.
Seja na hora que for ou hora inventada, que tiver que ser, os tenha, os venha.
Muito além da perpetuação dos genes, o seguir das coisas d'alma.
A transferência de crenças, certezas, experiências.
Mudança de perspectiva, de foco.
Mesmo com brigas.
Mesmo o desgaste.
Crises, muitas.
É difícil, é doação e é bom...
Inexplicavelmente bom.
É caminho sem volta.
E quem quer a volta?
Pode-se perder um filho na estrada, mas jamais se deixa de ser mãe. Dói pensar...
Dói a antecipação da perda ou a sequer suposição da perda, ou pior de tudo o medo inerente às mães.
Dizem que mãe já nasce culpada - e fato é que tudo lhe recai.
Mas digo que mãe já nasce com medo.
Há um objeto de zelo e um mundo a mostrar garras e agruras.
Como manter na redoma quem num dado momento ganha asas e quer tal mundo e até tais agruras?
Experimentar a dor de espectador impassível do filho que sofre.
Continuar a existência para além do filho que vai tão cedo.
Anexar 'desaparecido' ao nome do filho.
Amar o filho que '`a margem', que não se enquadra, que faz sofrer, que falha.
Amar apesar.
Cuidar quando precisa de muito cuidado.
Ter cuidado.
Não se cansar, quando tudo é só cuidado. E só.
Banquetear-se de migalhas...
Mas regalar-se num sorriso, que sempre é o mais lindo do mundo.
E é a paga maior que se pode ter.
Tudo são dores demais, dores de mães, bênçãos de vida...
Pois que hão de senti-las quem amou também demais.
Num amor que não encerra em si.
Não pede troca, não requer troco.
Que se basta na lembrança do calor de um bebe um dia aconchegado no peito.
Transbordamento de amor.
Quem sentiu isso, sentiu tudo.
O que vier para além é lucro, e dos bons.
Que dores, que nada.
Os filhos são feitos da matéria das delícias... (com a devida licença shakespeareana).

Paula Quinaud

segunda-feira, 2 de maio de 2011

:::por fim:::

sinto muito frio...
muito.
que se vá de mim toda querência.
cuidado!
com o que tu queres.
há que se conseguir...

guerra armada ao que em mim é nato.
a inconsistência de campos já tomados.
caio acabada por algoz, rotina.
inconformada ao que se me reprima,
a se instalar na imensidão do anseio.
ânsia de estar na dimensão do sonho.
render-se imune ao que antes devaneio?
ou se amparar em provisão divina?...
primeira imagem presa na retina.
primeiro tempo em que não mais sentia.
quero agarrar o que em mim é raro,
quero afastar o que me contagia.
mas pode o corpo derrubar castelos.
ou pode o corpo render-se como esteio...
escolha feita sem sequer sustento,
suporto alma e já me silencio.
se rasga a calma e não se vê no rosto.
fico impassível onde se lê verdade.
finjo vontades e mais não me envergonho.
ganho a batalha e perco a roda-vida.
afago o pranto e meus caros desejos...
amparo certo, são fiel mortalha.
compartes nobres de resguardo e luta.
hão de aquecer-me à hora derradeira.

faz frio,
muito frio...

paula quinaud

domingo, 1 de maio de 2011

:::tento não me prender:::

::: la victoire dans la ville :::

MAIS ALTO


Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Eburnea erguida nos espaços,
À rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

Florbela Espanca

(... aos imagináveis braços alçando vôo de Atena Niké...)

:::trabalho, trabalho e trabalho:::

...
guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios – e
1 esticador de horizontes
...
Manoel de Barros
O livro das ignorãças

tempos modernos - charles chaplin

Chego sempre à hora certa,
contam comigo, não falho,
pois adoro o meu emprego:
o que detesto é o trabalho.

Millôr Fernandes
Pif-Paf

:::motus animi continuous:::