... finda a bonança, e chegada a tempestade que cercava, o que resta é abandonar as armas
e retomar a luta ...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

:::quadrinha, peleja e muito cordel:::

quem me comeu a carne,
porque não há de corroer os ossos meus?
deixe-me com eles,
que ainda são sustento.

cadê o anel que tu não destes?
e todo o bem que se juntou?
terás  que dar antes de ir.

paula quinaud


literatura de cordel (apelidada folheto) - gênero literário popular que pode ser vista no Brasil como um retrato da própria história. poesia improvisada, escrita frequentemente na forma rimada, originada em relatos orais e depois impressos. fruto da sabedoria e bom-humor de extraordinários poetas cordelistas nordestinos.
“O matuto usava calça
e camisa de algodão,
daquele pano grosseiro
que se fiava na mão.
Quando ele se abaixava,
A calça abria e fechava
Porque só tinha um botão.”

sua  origem remonta ao século XVI, quando o Renascimento popularizou a impressão de relatos orais dos trovadores.
Pamphlet from the Dutch tulipomania
folheto holandês de 1637

chegou ao Brasil, pelas mãos dos portugueses, desde a colonização. instalou-se na Bahia, Salvador, e dali se irradiou para os demais estados do Nordeste. na segunda metade do século XIX já se tem notícia de impressão por aqui, com sotaque e caraterísticas tropicais.

"Esta peleja que fiz
não foi por mim inventada,

um velho daquela época
a tem ainda gravada
minhas aqui são as rimas
exceto elas, mais nada."
Leandro Gomes de Barros - o grande mestre de Pombal
peleja de Riachão com o Diabo, escrita e editada em 1899

by wichaska in Literatura de Cordel
o nome cordel  vem  da sua forma de comercialização (ainda em Portugal) onde eram pendurados em cordões para exposição.
mas principalmente:
Cordel: vem de corda, cordão, cordial, toca o coração.”
e virou sinônimo de poesia popular...



“O Mergulhão quando canta
Incha a veia do pescoço
Parece um cachorro velho
Quando está roendo osso.
Não tenho medo do homem
Nem do ronco que ele tem
Um besouro também ronca
Vou olhar não é ninguém”
(estrofes de quatro versos de sete sílabas)

existem várias possibilidades com versos de quatro ou cinco sílabas, sextilhas, setilhas, oito pés de quadrão, décimas, martelo agalopado, etc. bem explicadas no livro:


quanto aos temas, incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas , temas religiosos, entre muitos outros...  não há limites!

Ariano Suassuna  classificou os ciclos temáticos do cordel em:
1) “Ciclo heróico, trágico e épico;
2) Ciclo do fantástico e do maravilhoso;
3) Ciclo religioso e de moralidades;
4) Ciclo cômico, satírico e picaresco;
5) Ciclo histórico e circunstancial;
6) Ciclo de amor e de fidelidade;
7) Ciclo erótico e obsceno;
8) Ciclo político e social;
9) Ciclo de pelejas e desafios.”

a vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião e o suicídio do presidente Getúlio Vargas são alguns dos assuntos de cordéis que tiveram maior tiragem até hoje.


os principais, a essência:
Os Doze Pares de França, O Pavão Misterioso, Juvenal e o Dragão, Donzela Teodora, Imperatriz Porcina, Princesa Magalona, Roberto do Diabo, Côco Verde e Melancia, João de Calais, O Cachorro dos Mortos, A Chegada de Lampião no Inferno, Viagem a São Saruê…
clássicos do cordel

o cordel é originalmente impresso usando a técnica da xilogravura,  na qual se utiliza madeira como matriz, que  possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte adequado. é um processo muito parecido com um carimbo.

por J.Nobre / Sem Título
oficinas Livres de Xilogravura ministradas por Janderson Nobre.

sempre a tradição e a história...
máquina usada pelo poeta
Raimundo Santa Helena
grandes cordelistas e muito mais em: http://www.ablc.com.br/
Academia Brasileira da Literatura de Cordel

a Literatura de Cordel  começou a ser reconhecida no Brasil a partir de dois  artigos:
de Orígenes Lessa na revista Anhembi (dezembro de 1955)
do estudioso francês Raymond Cantel no Le Monde (junho de 1969)

são muitos os mitos:

Orlando Tejo - fonte: http://onordeste.com/

...
O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão , Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de Vaca Mansa
Valha-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França
...
Zé Limeira (Teixeira, 18861954)
o poeta do absurdo
pelas distorções históricas, surrealismo, nonsense e pelos neologismos esdrúxulos:
...
O Marechal Floriano
Antes de entrar pra Marinha
Perdeu tudo quanto tinha
Numa aposta com um cigano
Foi vaqueiro vinte ano
Fora os dez que foi sargento
Nunca saiu do convento
Nem pra lavar a corveta
Pimenta só malagueta
Diz o Novo Testamento!

Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento!
(...)

Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e o mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento:
“Tudo aquilo era boato”
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento!
...


J. Borges é um dos mestres do cordel. Nascido em Bezerros, município de Pernambuco é o xilogravurista brasileiro mais reconhecido no mundo.

continua trabalhando com seus filhos no seu atelier em Bezerros, a Casa da Cultura Serra Negra, no km 106 da BR 232, onde máquinas tipográficas dividem espaço com centenas de matrizes, gravuras e folhetos.
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Nanã cresceu e tornou-se uma bela menina!
Juntos, ela e seu pai, se divertem alegremente.
escultura de Mateus Lopes
SÉRIE: A Morte de Nanã
CENA: A Menina Nanã

...
Soluçando, pensativo,
Sem consôlo e sem assunto,
Eu sinto que inda tou vivo,
Mas meu jeito é de defunto.
Invorvido na tristeza,
No meu rancho de pobreza,
Tôda vez que eu vou rezá,
Com meus juêio no chão,
Peço em minhas oração:
Nanã, venha me buscá!

Patativa do Assaré
(Antônio Gonçalves da Silva 1909-2002)


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Meia noite, mais ou meno,
Se dispidino do povo
Disse: – Adeus, qui eu já vô.
Quando ele se arritirô,
Eu tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.
...
trecho Confissões de Cabôco
Zé da Luz
(Severino de Andrade Silva  1904 -1965)
alfaiate de profissão e poeta popular brasileiro
Ai se sesse
Se um dia nois se gostasse
Se um dia nois se queresse
Se nois dois se empareasse
Se juntim nois dois vivesse
Se juntim nois dois morasse
Se juntim nois dois drumisse
Se juntim nois dois morresse
Se pro céu nois assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvês que nois dois ficasse
Tarvês que nois dois caisse
E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse

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"Em Belém do Pará eu conheci muitos cantadores. Mas o mais afamado, que emendou a camisa comigo, foi o índio Azuplim. Nossa batida foi a que se segue..."
Eu saí do Ceará
Deixei meu triste mocambo,
Com medo do dezenove,
Este pesadelo bambo.
Vinha o coronel Monturo
Junto com doutor Molambo...
A dona fome na frente,
Na cadeira do trapiche,
Dizendo: No Ceará
Tudo é fofo e nada é fixe.
Juro que aqui nesta terra
Não vinga mais nem maxixe...
A dona Fome me olhou
E disse a mim: — Eu pego!
Eu disse: — Não senhora!
Eu sei por onde navego,
Quem tem vista corre logo,
Quanto mais eu sendo cego
...

Cego Aderaldo 
(Aderaldo Feroreira de Araújo 1878-1967)
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...
Eu volto agora à poesia
com a mente aperfeiçoada
contando mais um gracejo
que o povo dar gargalhada…
uma briga de dois cegos
que eu achei muito engraçada.
...
Enquanto o mundo for mundo
Não falta “cabra de peia”
É desses que enganam cegos
Ilude a filhinha alheia,
Abusa o povo e no fim
Só vai parar na cadeia.
A briga de dois cegos por causa de uma esmola.
Enéias Tavares dos Santos


muitas  pessoas se aproximaram, apaixonaram e levaram o Cordel para as mais distantes fronteiras. nomes como:
Ariano Suassuna, Mário de Andrade,  Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Orígenes Lessa, Mário Lago, Zé Ramalho, Glauber Rocha Na música, Villa-Lobos, Luiz Gonzaga, Elomar, Raul Seixas, Antônio Nóbrega, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Ednardo, Xangai, Fagner, Belchior, Zeca Baleiro, Lenine, Chico Science, Chico César, João do Vale, Jackson do Pandeiro, Jorge Mautner, Tom Zé, Dominguinhos, Sivuca, Hemeto Paschoal, Gilberto Gil, Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa, Ary Barroso, Vital Farias, Genival Lacerda, Nando Cordel, Cordel do Fogo Encantado e tanta gente...
aos poucos vamos vendo um pouco do tudo que não tem fim, ainda bem! segue.


...porque é no simples que tudo se encontra...

mais:

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