... finda a bonança, e chegada a tempestade que cercava, o que resta é abandonar as armas
e retomar a luta ...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

::: manoel de barros :::

Manoel Wenceslau Leite de Barros
"advogado de formação, fazendeiro por necessidade, e poeta por ócio"

 nasceu em Cuiabá (MT) em 19 de dezembro de 1916
mora em Campo Grande (MS)


Auto-retrato

Ao nascer eu não estava acordado, de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamentos e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que escrevo é invenção;
só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio:
- Sem moscas
na boca descampada!


...tudo que não invento é falso...


“Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”
Desenho de Karmo (http://www.karmo.com.br/)


No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio



Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
A inércia é o meu ato principal.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Por pudor sou impuro.
Não preciso do fim para chegar.
De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra
- Como um lápis numa península.
Do lugar onde estou já fui embora.



Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando.

ÓTIMAS BIOGRAFIAS:
ENTREVISTA:
feita pelo jornalista Bosco Martins: http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=3726
(dica da poetisa Janet Zimmerman)

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