fecho a porta.
cubro a cara.
lavo a mão.
d.e.s.i.n.f.e.t.o.
rodo a sala.
flor em copa,
quarto cadente.
sus..piro.
...
o corredor tem 687 tacos.
mas as asas nos pés,
perco não.
“Embora o autor da versão tenha alguns trabalhos passíveis de censura, o presente retrata o sonho, não do autor (que, a nosso ver, delira), mas do ‘cavaleiro de La Mancha’”, observou o censor Joel Ferraz, ao fim do formulário que liberava uma letra, sem ressalva.
referia-se à Chico Buarque e à canção Sonho impossível, uma das várias feitas em parceria com Ruy Guerra, para o musical O homem de La Mancha.
o ano era 1972 etrechos como “sofrer a tortura implacável” e “vencer o inimigo invencível” pertenceram aos delírios do cavaleiro da triste figura.
a peça foi traduzida por Paulo Pontes e Flávio Rangel e dirigida por Flávio Rangel.
estreou em 15 de agosto de 1972 no Teatro Municipal de Santo André.
Baseado na obra de Cervantes D.Quixote de La Mancha,
tinha texto de Joe Darion e música de Mitch Leigh. Jacques Brel fez em 1968 uma adaptação para francês e levou o musical L’Homme de la Mancha àcena na Bélgica e na França.
O tema mais conhecido é The impossible dream:
(Brel adaptou e intitulou La Quête)
To dream the impossible dream,
to fight the unbeatable foe,
to bear with unbearable sorrow,
to run where the brave dare not go.
To right the unrightable wrong,
to love pure and chaste from afar,
to try when your arms are too weary,
to reach the unreachable star.
This is my quest,
to follow that star -
no matter how hopeless,
no matter how far.
To fight for the right
without question or pause,
to be willing to march into hell for a
heavenly cause.
And I know if I'll only be true to this
glorious quest
that my heart will be peaceful and calm
when I'm laid to my rest.
And the world will be better for this,
that one man scorned and covered with scars
still strove with his last ounce of courage
to reach the unreachable stars.
e várias montagens seguiram…
ilustração: Pablo Picasso
“O medo é que faz que não vejas, nem ouças porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são!”
D. Quixote
ilustração: Eduardo de Teixeira Coelho
a história do pequeno fidalgo castelhano que perdeu a razão após muita leitura de romances de cavalariaé considerada a grande criação do espanhol Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-16161).
“Este que aqui vedes de rosto aquilino, de cabelo castanho, testa lisa e descarregada, de alegres olhos e de nariz curvo, embora bem proporcionado; as barbas de prata, que não há vinte anos eram de ouro, os bigodes grandes, a boca pequena, os dentes nem miúdos nem graúdos, pois não tem mais do que seis, e estes malpostos e pior dispostos, porque não têm correspondência uns com os outros; o corpo entre dois extremos, nem grande, nem pequeno; a cor viva, mais branca do que morena, as costas algum tanto encurvadas e os pés não muito ligeiros; este digo que é o rosto do autor de A galatéia e de D. Quixote, e de quem fez a Viagem ao Parnaso, à imitação da de Cesare Carali Perusino, e outras obras que por aí andam desgarradas, e talvez sem o nome de seu dono. Chama-se comumente Miguel de Cervantes Saavedra. Foi soldado muitos anos e cinco e meio cativo, onde aprendeu a ter paciência nas adversidades. Perdeu a mão esquerda de uma arcabuzada na batalha naval de Lepanto, ferida que, embora pareça feia, ele a tem por formosa, por tê-la recebido na mais memorável e alta ocasião que viram os passados séculos e esperam ver os vindouros, militando sob as vencedoras bandeiras do filho do corisco de guerra, Carlo Quinto, de feliz memória”.
em algumas novelas, Cervantes pinta esse auto-retrato, que é provavelmente a imagem mais próxima da aparência que teria tido. sabe-se mais de D. Quixote, do que de seu autor, segundo seus principais biógrafos, Andrés Trapiello e Jean Canavaggio.
ideais inatingíveis, lutas sangrentas, conquistas heróicas e derrotas avassaladoras, no entanto, marcam a trajetória de criador e criatura.
ilustração: Salvador Dali
“Num lugar da Mancha, de cujo nome não me quero lembrar, vivia, não há muito tempo, um desses fidalgos que usam lança em hastilheira, adarga antiga, cavalo magro e galgo corredor”.
in M. de Cervantes - "Dom Quijote", Cap. I, 1605
primeira edição – Espanha, 1605
...
“Nisto, avistaram trinta ou quarenta moinhos de vento dos que há naqueles campos, e assim como D. Quixote os viu, disse ao seu escudeiro:
- A ventura vai guiando as nossas coisas melhor do que pudéramos desejar; pois vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta ou pouco mais desaforados gigantes, com os quais penso travar batalha e tirar de todos a vida, com cujos despojos começaremos a enriquecer, pois esta é boa guerra, e é grande serviço de Deus varrer tão má semente da face da terra.
- Que gigantes? - disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês - respondeu seu amo -, de longos braços, que alguns chegam a tê-los de quase duas léguas.
- Veja vossa mercê - respondeu Sancho - que aqueles que ali aparecem não são gigantes, e sim moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as asas, que, empurradas pelo vento, fazem rodar a pedra do moinho.
- Logo se vê - respondeu D. Quixote - que não és versado em coisas de aventuras: são gigantes, sim; e se tens medo aparta-te daqui, e põe-te a rezar no espaço em que vou com eles me bater em fera e desigual batalha.
E isto dizendo, deu de esporas em seu cavalo Rocinante, sem atentar às vozes que o seu escudeiro sancho lhe dava, advertindo-lhe que sem dúvida alguma eram moinhos de vento, e não gigantes, aqueles que ia acometer."
"Não existe nada de mais profundo e poderoso do que este livro. Representa até hoje a mais grandiosa e acabada expressão da mente humana. Se o mundo acabasse e no Além nos perguntassem: 'Então, o que você aprendeu da vida?' Poderiamos simplesmente mostrar Don Quijote e dizer: 'Esta é a minha conclusão sobre a vida'. E você o que me diz?"
Fiódor Dostoiévski
.e assim é nas terras daqui, nas terras de lá.
Candido Portinari – Brasil, 1956
Portinari desenhou, entre 1955 e 1956, uma série de vinte e duas gravuras a lápis
baseadas na obra Dom Quixote de La Mancha.
desse total, vinte e uma foram vendidas para a
Fundação Castro Maya após sua morte.
(uma foi roubada em 1957 na Maison de La Pensée Française, em Paris)
em 1972, Carlos Drummond de Andrade a convite de Gastão de Holanda, da mesma fundação, escreveu vinte e um poemas referentes
aos desenhos de Portinari.
o conjunto da obra foi publicado em 1973, no álbum
D. Quixote, Cervantes, Portinari,Drummond.
O esguio propósito
Caniço de pesca fisgando o ar, gafanhoto montado em corcel magriz, espectro de grilo cingindo loriga, fio de linha à brisa torcido, relâmpago ingênuo furor de solitárias horas indormidas quando o projeto a noite obscura. Esporeia o cavalo, esporeia o sem-fim.
Carlos Drummond de Andrade
poema + gravura
evárias traduções seguiram :
uma das mais recentes e considerada das melhores,
de Sergio Molina, com ilustrações de Gustave Doré.
"Creio que os homens continuarão pensando em Don Quijote porque, no fim das contas, há uma coisa que não queremos esquecer: uma coisa que a vida nos dá de quando em quando, e que às vezes também nos tira, essa coisa é a felicidade. E, apesar dos muitos infortúnios de Don Quijote, o sentimento final que o livro nos passa é a felicidade. Sempre penso que uma das coisas felizes que me aconteceram na vida foi ter conhecido Don Quijote."
o escritor e ilustrador J. Borges escreveu sua versão de Quixote,
com ilustrações do também pernambucano Jô Oliveira.
Começa assim:
Existia uma grande aldeia igual a outras que havia e lá tinha um fidalgo magro, mas sempre comia carnes, fritos e lentilhas ovos e tudo que existia. ... Lia tanto que ficava delirando a vida inteira e via em sua frente bruxos, dragão, feiticeira combates e desafios que terminavam em asneira.
Dom Quixote luta com os cangaceiros do nordeste
e Dulcinéia (sua amada imaginada) vira Maria Bonita.
Lutou com os cangaceiros perdeu na luta maldita pensou ser a Dulcinéia que seu coração palpita mas quando levantou era Maria bonita.
Apesar das ruínas e da morte, Onde sempre acabou cada ilusão, A força dos meus sonhos é tão forte, Que de tudo renasce a exaltação E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Sofia de Melo Breyner Andresen
ilustração: Julio Pomar
no delírio que é tanto e é tão forte. nasce a forja do medo que tenho. e a bravura que vai me amparar. pela vida, estrada ou anseio. nas batalhas que hei de travar.